Resenha: Papa-capim: Noite branca


Sabem aquele momento em que seu celular trava às nove da manhã, e você sabe que ele vai ficar assim pelo resto do dia, e tu tem que arranjar alguma outra distração para a viajem de ida ao trabalho e resolve dar uma chance aquele gibi que está na sua prateleira há uns bons cinco anos? Pois é...

E não, não foi uma escolha ruim. Na verdade, foi até bom; uma leitura interessante de se analisar. Agora posso “tirar a poeira” deste blog – que está há um certo tempo sem postagens (obrigado TDAH).

Pois bem, vamos ao que interessa...

Resumo

“Papa-Capim: Noite branca” faz parte do selo Graphic Novels MSP, feito pela Mauricio de Souza produções, em parceria com a Panini Comics – selo que tem como proposta dar a oportunidade à vários artistas talentosos do meio dos quadrinhos de criarem histórias com os personagens do Mauricio de Souza, repaginando-os sob sua própria perspectiva.

Seguindo esta ideia, Marcela Godoy e Renato Guedes nos apresentam sua própria visão de Papa-Capim – personagem criado por Mauricio para representar os povos e culturas indígenas do Brasil. Nesta história com clima de terror, nosso herói precisa lidar com eventos sobrenaturais que pairam sua aldeia, após um de seus irmãos guerreiros ter aparecido louco na floresta.


 

Arte e narrativa

É possível dizer logo de cara que a narrativa gráfica do quadrinho é excelente, e dá um clima perfeito para a proposta da história.

Quadros pequenos e uniformes, sequencialmente mostrando pequenos detalhes dos acontecimentos em momentos intrínsecos, culminando numa arte maior por fora dos quadros, mostrando o resultado do acontecimento. É uma ideia de narrativa que somado à arte e as cores, dá um tom perfeito à história e te prende logo no início.


 

A arte do Renato se destaca também pelo traço que procura respeitar a fisionomia étnica dos povos indígenas e sua forma de se vestir, o ambiente e sua arquitetura, não fazendo algo genérico como um humano qualquer com um tom de pele avermelhado e elementos aleatórios que meramente lembram estética dos povos nativos. Ouve um carinho por parte da roteirista e do ilustrador de procurar reproduzir tudo fielmente, desde conceitos estéticos até os por menores culturais. Isso é muito bom, porém peca em certo ponto.

É possível notar vários detalhes da cultura tupi, que são muito bem detalhados e usados na história na medida certa, mas senti falta de uma imersão maior do leitor leigo na história (com aquela ferramenta de roteiro que o autor usa para explicar questões do universo ficcional para o leito, saca?), o que faz com que ele tenha dificuldade de entender o porquê de certas coisas acontecem na narrativa.

Fora isso podemos citar também alguns problemas com determinados personagens, como o pajé, que em tese deveria ser a pessoa mais sábia da tribo, mais toma uma atitude que acaba prejudicando-a (mas até aí, né, como qualquer político brasileiro); e o próprio vilão, líder dos noites brancas, que começa como uma figura misteriosa e fantasmagórica, mas que aos poucos se torna um vilão um tanto qualquer. 

Poucas coisas me parecem criação própria da roteirista, como é o caso dos noites brancas; e eles por sua vez são uma clara representação do homem branco colonizador: alguém bem diferente do povo local, conquistador, e que causa o massacre de tribos indígenas inteiras. Isso é uma alegoria interessante para a narrativa, e uma crítica bem válida, mas acho que não muito bem trabalhada, principalmente no final da história.

 


A narrativa que começa num tom de terror, mas para o final acaba tomando um tom mais de aventura fantástica – o que não é necessariamente ruim (embora uma mudança grande de tom), mas é um ponto a se comentar – e os noites brancas, no fim das contas se mostram monstros qualquer á serem derrotados pelo herói, como qualquer orc, troll ou zumbi em outras histórias. Sinceramente não culpo a autora, levando em conta o selo sob a qual a revista foi publicada.


 

Conclusão

E no fim de tudo você tem uma boa leitura, porém poderia ter sido melhor desenvolvida. As lendas indígenas são cheias de elementos sobrenaturais que poderiam render boas histórias que encaixariam bem com a proposta desta MSP, mas que os autores preferiram seguir por outro caminho que se mostrou dissonante com a proposta. Mas que ainda assim não deixa de ser uma bela história, que pode ser apreciada tanto narrativamente, quanto graficamente, e acredito ser uma leitura encantadora para nossos irmãos nativos, ou qualquer um aficionado pela cultura indígena – e aos fãs de Turma da Mônica, claro!


Eduardo Damãnes. 

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